Após a entrada em vigor da Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (conforme alterada pela Lei nº 13.853 de 8 de julho de 2019) (‘LGPD’), a Autoridade Brasileira de Proteção de Dados (ANPD) lentamente começou a tomar forma com a nomeação de seus membros. Marcelo Xavier de Freitas Crespo, sócio da Pires & Gonçalves Advogados Associados, fala sobre como a ANPD está se desenvolvendo e em qual direção está seguindo.
Cenário legislativo
O texto inicial da LGPD menciona uma agência cujo papel é integrar o ecossistema de proteção de dados pessoais; em outras palavras, a ANPD. Originalmente elaborado como um órgão da administração pública que atuaria diretamente em questões relacionadas à proteção de dados e privacidade, os objetivos da ANPD incluíam a auditoria do tratamento de dados pessoais e a emissão de diretrizes e procedimentos relativos à LGPD e temas relacionados à proteção de dados no país.
No entanto, a ANPD, conforme aprovada pelo Congresso Nacional, foi vetada pelo então presidente Michel Temer sob o argumento de que ela deveria ter sido criada pelo próprio Poder Executivo e não pelo Congresso Nacional, pois geraria despesas para o governo federal.
Ao final de 2018, foi emitida Medida Provisória, modificando a LGPD. No que se refere à ANPD, foi oficialmente instituída com a missão de zelar pela observância dos segredos comerciais e industriais e de realizar auditorias para processamento ilegítimo de dados pessoais, inclusive com possibilidade de aplicação de multas ou penalidades.
Outra mudança trazida pela Medida Provisória foi relacionada à possibilidade de compartilhamento de dados sigilosos de saúde. A LGPD originalmente proibia o compartilhamento desse tipo de dados com o objetivo de obter vantagem econômica (exceto quando solicitada para portabilidade), o que poderia dificultar o compartilhamento de informações para fins de prestação de serviços de saúde. Foi alterado pela Medida Provisória, a fim de permitir o compartilhamento de dados sigilosos de saúde quando necessário para a adequada prestação de serviços suplementares.
Enfim, a ANPD foi criada para implantar e auditar a LGPD, mas é importante saber que essa não é a única função da ANPD. De acordo com a LGPD, a ANPD também é responsável por desenvolver diretrizes para a Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, administrar petições de titulares de dados contra controladores, divulgar as melhores práticas de divulgação de operações de processamento de dados pessoais, etc.
ANPD – Situação atual e perspectivas futuras
É importante considerar que a composição da Diretoria da ANPD mostra muito sobre o atual governo. É composto por: Waldemar Gonçalves Ortunho Júnior, militar, formado em engenharia eletrônica e com experiência anterior no setor de telecomunicações, como Diretor Presidente; Arthur Pereira Sabbat, também especialista militar e de segurança da informação, como Diretor; Joacil Basilio Rael, militar, graduado em Engenharia da Computação e Mestre em Sistemas e Computação, como Diretor; Nairane Farias Rabelo Leitão, advogada, especialista em Direito Ambiental e Administrativo, como Diretora e; Miriam Wimmer, funcionária pública e professora de Direito, Tecnologia e Inovação, com experiência anterior em telecomunicações e acompanhamento regulatório, como Diretora.
Com o passar do tempo, a ANPD começa a se moldar como uma agência de auditoria. Já conta com vários funcionários indicados e está começando a mostrar as peculiaridades da agência. Por exemplo, Isabela Maiolino é a Coordenadora Geral de Normalização da ANPD, que já trabalhou no SENACON (Secretaria Nacional de Consumidores) e Alexandra Krastins Lopes, como Gestora de Projetos da ANPD, que trabalhava com o setor privado e consultoria LGPD, mostrando-nos um possível preconceito do consumidor. Por outro lado, a ANPD tem mais funcionários vindos do setor de telecomunicações do que o esperado, ocupando cargos de Chefe de Gabinete do Diretor Presidente a Coordenação da Coordenação Geral de Normalização da ANPD – o que, claro, é um reflexo da Nomeação do Chefe do Executivo.
Ao analisar a composição do Conselho de Administração nomeado pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, é certo que se destaca a presença relevante de dirigentes com formação militar. Algumas pessoas podem sustentar que este fato apenas demonstra a relevância do tema da proteção de dados pessoais quando, na verdade, podemos afirmar que é apenas mais uma demonstração da tendência atual (autoritária).
No momento em que a própria LGPD começa a dar os primeiros passos e a estabelecer estratégias regulatórias em solo brasileiro, a ANPD ainda está em implantação, por isso ainda não podemos avaliar seu efetivo desempenho.
Aparentemente, o ponto de partida é proporcionar ao grande público a possibilidade de se manifestar através dos canais de atendimento, seja para fazer uma reclamação, um pedido, sugestão ou mesmo um elogio. Essas são as únicas opções disponíveis no site da ANPD, que também exibe algumas notícias sobre proteção de dados e uma pequena lista de indicados que compõem o órgão regulador – que ainda deve passar por um grande ‘processo de seleção’, dada a estrutura organizacional já disponível1.
Outra possibilidade que a ANPD já oferece à população é a plataforma de sistema eletrônico de informação (‘SEI’), sistema que permite que cidadãos, órgãos, órgãos públicos e empresas enviem documentos por meio eletrônico. Pode ser usado para enviar a todos os setores do Governo, inclusive a ANPD. Ao dispensar a necessidade de documentos físicos, aumenta a acessibilidade da petição, aproximando o órgão do público.
Além da ANPD, a LGPD também institui o Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade, que deve garantir a autonomia técnica da autoridade. Conforme prevê a LGPD, será composto por 23 representantes, titulares e suplentes, sendo cinco do Executivo federal; um do Senado Federal; um da Câmara dos Deputados; um do Conselho Nacional de Justiça; um do Conselho Nacional do Ministério Público; um dos membros do Comitê Gestor da Internet no Brasil; três de entidades da sociedade civil com atividades relacionadas com a proteção de dados pessoais; três de instituições científicas, tecnológicas e de inovação; três de confederações sindicais representativas de categorias econômicas do setor produtivo; dois de entidades representativas do setor empresarial relacionadas com a área do processamento de dados pessoais; e dois de entidades representativas do setor de trabalho.
Com a função de propor diretrizes estratégicas e fornecer subsídios para a elaboração da Política Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade e para a atuação da ANPD, além de elaborar relatórios anuais de avaliação da execução das ações, sugerindo ações Para ser realizada, elaborando estudos e divulgando conhecimentos, a independência deste conselho é imprescindível para uma atividade específica e imparcial sobre a matéria, que se torna prejudicada quando se estabelece o poder do Presidente da República para a indicação.
Sem dúvida, os aspectos que suscitam dúvidas sobre a ANPD estão exatamente relacionados à sua atuação: qual é a sua estrutura? É uma autoridade independente? Pode aplicar sanções?
A própria agência reguladora, considerando o questionamento constante sobre sua atuação, elaborou um documento disponível em seu site, com as perguntas mais frequentes sobre a LGPD e a ANPD. Esta publicação cumpre o seu papel educativo, pois apresenta um breve panorama da LGPD, bem como dos atributos estruturais e funcionais da ANPD e do papel do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e Privacidade.
É evidente que as explicações fornecidas no documento em questão são réplicas da lei, o que pode levantar questionamentos para quem não está habituado aos termos utilizados. Todos os documentos devem ser acessíveis a todos, principalmente as FAQs, pois as pequenas empresas provavelmente não terão respaldo legal para se adaptarem à LGPD, contando apenas com materiais disponíveis na internet.
Tudo considerado, podemos dizer que a ANPD finalmente está se formando e começa a se apresentar como uma agência estruturada. Críticas podem aparecer ao longo do caminho, principalmente porque o Brasil enfrenta um momento difícil com um governo cheio de problemas e polêmicas. A ANPD, no entanto, muito provavelmente agirá sem hesitações à medida que a perspectiva de auditorias e penalidades comece a se concretizar.
Fonte: Texto de Marcelo Xavier de Freitas Crespo, sócio na Pires & Gonçalves Advogados Associados publicado originalmente no site DataGuidance.
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